20.5.09

Into my arms...

A noite sente-se no silêncio da casa. Na tranquilidade pousada sobre os prédios povoados de luzes a transpirarem calor, aquele calor que me lembra a infância meiga dos meus invernos. No silêncio das ruas desertas que se calcorreiam pelos passos medidos a vozes vestidas de súplicas a murmurarem nas músicas que ecoam no espaço. Na penumbra da praça principal, as onze horas arrastam-se no relógio da torre frente à luz trémula do monumento … Perto dali, vê-se a luz frágil do lado de fora da vida arrumada que habita nas casas. Um candeeiro ilumina suavemente um quarto onde, nos cantos, moram as sombras cinzentas que ocuparam o espaço da ausência de luz. Nas paredes, a doçura de um sentir que tem hora marcada. Sentada à beira da cama, pega no telemóvel e lembra-se das suas pessoas. A ocuparem o espaço à volta no carinho que lhes tem. Está sozinha e é hora de lembrar. De lhes lembrar que pensa neles antes de adormecer. De fechar os olhos porque não sabe se estes se abrirão. Que lhes deseja todo o bem do mundo e que este lhes caia na pele como um carinho. Que lhes deseja uma boa noite. Uma noite daquelas em que o corpo parece repousar numa cama feita de nuvens e que seja tranquila no seu descanso. De lembrar que ainda respira. Que ainda está viva. Que hoje ainda não é hora. Que ainda não é necessário arrombar-lhe a porta de casa por não ter dado a chave de casa a ninguém para virem buscar as suas coisas. Para desocuparem a casa porque passou a viver num outro local mais cinzento e mais silencioso. Mas hoje… Hoje hesitou em escrever a mensagem. Hesitou em querer saber como estão. Hesitou em lembrar-lhes. Hesitou em escrever a trémula homenagem a mais um dia. Hesitou em cumprir. Em cuidar do carinho que devotava aos outros. Hoje… Hoje sentia que era o primeiro dia da sua morte.

3 Comments:

Anonymous samartaime said...

A morte nunca é anunciada. Mesmo quando estamos a vê-la. Mesmo quando a sentimos.
São teias da vida: vivemos, ainda que na contra-mão. E é da vida os gestos feitos aos que sentem a nossa presença breve, como é da vida o acto de os receber.
Sem isso, tudo é texto e nada é vida.

Abraço!

21/5/09 11:15  
Blogger AlmaAzul said...

De uma subtileza pesada, mas muito bom.

(Como todos os dias... as vezes temos é tempo a mais para pensa-lo...)


***azuis

22/5/09 00:06  
Anonymous Névoa said...

Lindo! Aqui está a prova quando te falo que tens uma escrita tua, com marcas do teu sentir, do teu olhar as coisas, da tua forma de falar delas como mais ninguém o faz. Esta é a tua escrita, na qual deves insistir,continuando a treiná-la, escrevendo, escrevendo sempre. E a divulgá-la, claro está!
Parabéns!
Quanto ao travo de tristeza presente na mensagem, não faço qualquer referência, pois como sabes, gostaria que escrevesses assim sobre a alegria, a felicidade, o lado bom da vida. Mas sei que é este outro lado que te inspira mais e que te leva a escrever. E tu consegues, com as tuas palavras, transmitir beleza quando falas de tristeza. Por isso, escreve! Quem sabe, um dia...
Um beijo de quem conhece a beleza em ti

1/6/09 15:37  

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