24.4.09

A medida exacta do amor

Eram 8h. O despertador tocou. Devagar, afastou a roupa da cama e sentou-se à beira. Pés no chão, costas direitas e mãos nos joelhos como se a disciplina começasse ao primeiro respirar consciente. Através da janela e com um olhar sereno, viu a manhã vestida de cinzento. Mais um dia. Levantou-se e foi tomar um duche rápido. 20m depois, pegou no relógio e colocou-o no pulso. Respirou fundo. Pegou na pequena régua de madeira de 20cms, amarelecida pelo tempo da escola e colocou-a no bolso interior do casaco junto ao coração. Sorriu timidamente. Pegou na mala e saiu. No autocarro, sentou-se junto à janela e observava os últimos andares dos prédios marcados pela arquitectura de outros tempos. Em alguns, vislumbrava tectos cinzentos com janelas sobressaídas a desenharem semelhanças com as águas-furtadas das ruas mais antigas de Paris. E nesses momentos, fascinava-o mais o céu que a terra. Mais as nuvens que o peso que as pessoas carregam consigo. Mais as memórias que as paragens que o autocarro fazia. Mais o seu mundo interior que os sorrisos indispostos das pessoas. E o dia resumia-se a este momento que, medido em minutos e segundos por um relógio, lhe transmutava o rosto. E à medida que observava, sentia uma espécie de emoção. A passar-lhe pelo rosto. Pelo corpo. Uma crescente e leve ternura por algo que era tão seu. Por se permitir viver num tempo e espaço diferentes. Por estar sozinho. Por ser feliz. E suavemente, os seus dedos procuravam a pequenina régua no bolso. Assim que a sentiam, na sua textura já polida pelo tempo, retiravam-na. E com ela, vinham as vozes misturadas das crianças com a da professora a ensinar o que era a sílaba tónica. E os dedos encostavam timidamente a régua ao coração debaixo do casaco que lhe servia de biombo envergonhado para uma operação tão delicada. Queria medir-lhe o tamanho. Saber o quanto ele havia crescido com aquela emoção que não sabia explicar e que durava o dia inteiro. Que crescia no peito, no lado esquerdo do coração e se prolongava pelo corpo como uma onda. Uma onda de serenidade a adormecer sentires. Uma onda de emoção que preenchia os seus bolsos. O seu dia inteiro. A sua noite tranquila. Queria saber qual era a sua medida exacta do amor.

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2 Comments:

Blogger Miss Éclaire said...

fez-me querer andar com uma régua no bolso interior do casaco. :)

29/4/09 15:24  
Blogger M. said...

:)...
Obrigada pela visita.

2/5/09 16:23  

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