6.1.09

Do que me arrependo...


Jeanloup Sieff - 1992

De não ter sabido ser mais compreensiva ainda, do que fui. De não ter sido ainda mais paciente do que fui, para ter sabido ouvir. De não ter sido mais leal comigo, quando foi momento de o ser. Arrependo-me. De não acreditar em promessas. Já vivi o suficiente para lhes conhecer a textura etérea que possuem. De não acreditar no amor. De não ser comovida por ele. Nasceu prematuro no mundo e falta-lhe a maturidade dos vinhos repousados no tempo.
Arrependo-me... de não ter ensinado alguém a testemunhar-me. De não ter conseguido ensinar que a minha vida, tal como a de todos os outros, é como a chama de uma vela. Frágil ao vento. Efémera. Que não tenho muito tempo. Que os meus livros, os meus rabiscos, as minhas coisas precisam de tradução. Para serem entendidos. Para existirem no tempo em que são acarinhados por alguém que não eu. Porque é aqui que estou quando não falo. São elas que falam de mim. Que o que sou pode perder-se, se for comigo. Testemunhar, é isto. É cuidar de tudo o que nos é dado por alguém. É saber ler as legendas dos actos e atitudes de alguém que, por vezes, não quer ou não sabe como falar. É saber sentir na mão o peso da importância das coisas que vivem à sua volta. É saber exactamente aquilo que lhe faz bem quando esse alguém precisa de nós sem o pedir. Testemunhar, é a forma mais sentida e verdadeira de construir o chão onde o amor nasce. Testemunhar, é guardar, dentro de nós, a existência de alguém. É a forma carinhosa de lhe dizer que a sua vida não foi em vão. E arrependo-me. Lamento não ter sabido ensinar alguém a testemunhar-me.

3 Comments:

Blogger a said...

Não te lamentes M..

Ensina alguém a ler-te e a sentir-te e o teu testemunho será uma realidade. Nunca é tarde!

Bjs.

6/1/09 20:56  
Blogger Anonyma said...

O tempo. O inexorável tempo...
Não somos mais que a reminiscência de um vislumbre...e, no entanto, é extraordinário o que inesperadamente retêm de nós...
Uma interpretação é certo.
Mas não será o aluno também uma interpretação do seu mestre?!!??
Não nos perdemos sempre?
Não estamos nós condenados eternamente a perder aquilo que faz de nós únicos?
E eternamente condenados a sermos interpretados?

7/1/09 23:43  
Blogger Always said...

Admiro a autoconsciência do texto e a sua forma exemplar de comunicar essa cautoconsciência. Mas concordo em absoluto com as palavras da Anónima que aqui trancrevo:

Não nos perdemos sempre?
Não estamos nós condenados eternamente a perder aquilo que faz de nós únicos?
E eternamente condenados a sermos interpretados?


Um abraço

12/1/09 12:58  

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