29.10.08

da certeza...


Geoffroy Demarquet


Frente à janela, olhava para a rua escura que se encontrava iluminada, de modo pontual, por uma luz amarelada ternamente pousada no chão frio. Atrás de si, o eco das palavras jazia suspenso no ar. A paralisia dos movimentos era agora medida a desilusões que jorravam do coração em direcção ao chão da sala, envolta numa penumbra tépida. O olhar morto e focado nos círculos amarelos desenhados pela luz da rua. Ainda respirava. A seco, uma dormência tremenda tinha sido projectada no estômago. As paredes pareciam agora movimentar-se aproximando-se. O tamanho da sala diminuía à velocidade que o sangue corria para longe do coração. Fechou os olhos e disse para consigo: «Conheço esta sensação. Conheço-lhe os contornos e a cor. Conheço-lhe a emoção que abandona em quem fica. Já não há retorno.»
Voltou-se suavemente. Olhou-a nos olhos e viu neles desenhada a desatenção. E sentiu profundamente, mais uma vez, como é tão definitiva esta sensação. E pensou, baixando os olhos lentamente: «Quase que podia escrever um livro sobre a desatenção. Como, por vezes… na maioria das vezes, ela assume as roupas excêntricas daqueles vizinhos que chegam, um dia de um lugar que ninguém sabe onde fica, e sem darmos conta entram pelas portas das nossas vidas adentro com as malas nas mãos, que não vemos tão indignados que estamos pelo abuso de confiança, e mudam-se para ocupar o nosso lugar.»
Pegou no casaco e na mala. Olhou em redor e saiu. Desceu as escadas do prédio. Entrou devagar no frio da rua e começou a caminhar. Lentamente, cada passo dado possuía uma tonalidade nova na cor da certeza do que a esperava. Sabia que não estava confusa. A desatenção é a anfitriã do amor que habita no passado e que entretanto se mudou sem deixar morada. Estava apenas sozinha e a caminhar numa direcção nova. Consciente de um futuro diferente que se desenhava à sua frente. Tal como um bom vinho, era preciso saber esperar.



3 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Continua a delicadeza da escrita, e a atenção...
eu, debelando a desatenção, volto sempre "aqui"...
Bjs
Lu

30/10/08 20:55  
Blogger M. said...

Minha querida Lu
Contigo permanece a amabilidade das palavras que me ofereces :)...
E quanto à desatenção, a minha dívida para contigo parece não ter fundo. :(
Um beijo grande na testa e um abraço

31/10/08 11:09  
Anonymous Anónimo said...

Esse é o dia em que aprendemos a dizer «antigamente».

31/10/08 17:47  

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