Dos dias...
Edward Dimsdale - Stripped Collar
Deixa-me dizer-te, em silêncio. Há já algum tempo que me vesti com a indiferença morna mas terna aos teus gestos, aos teus dizeres. Precisei dela. Para conseguir sobreviver aos nossos dias feitos de turbulências e nevoeiros cinzentos. Para conseguir olhar-te sem ler as palavras toscas desenhadas a néon azul, que parecem deslizar no teu olhar com a correnteza suave de um rio, e como se fossem legendas do que não dizes. Confesso-te. Que me agarrei aos nossos melhores momentos, como fotos tiradas a quente do que já fomos e guardei-as para não sofrerem a erosão do tempo ou a crítica feroz da consciência que me assola nos momentos de maior lucidez. E partilho contigo a rotina dos meus dias porque já não sei viver sem ti. Já não sei como se enche todo este espaço que ocupaste. Ao meu lado no sofá. À minha frente na mesa. Deitada no lado do meu coração na cama e a aquecer-me os pés que enregelam à medida que o tempo passa. E bem podes dizê-lo. Já ninguém preenche os requisitos a que me habituaste ao longo dos anos. Gosto de ter-te como garantia agora que o amor deixou de ser o que era e transformou-se em dedicação. Ter-te como salvaguarda que os meus dias serão acompanhados. Que posso contar contigo, apenas em algumas coisas. No resto, safo-me bem. Habituei-me. C'est pas grave ! Assim, ao cair da noite, acontece-me não adormecer sob a lua cheia das expectativas. Nem suspirar, como se me faltasse o ar, pelas emoções inflamadas das paixões. Em alguns momentos, dou comigo a pensar que gostava de ser mais jovem. De ter mais alguma vida pela frente e não ter tanto em comum contigo. Sabes... às vezes, parece-me que a vida encarrega-se de nos ir esvaziando as malas de coisas e trapos ao mesmo tempo que nos enche, por dentro, de encargos emocionais e receios atropelados que nos impedem um dia sair de casa deixando tudo para trás. É difícil recomeçar. Em qualquer lado. Recomeçar entre nós. E mesmo dentro de nós. Especialmente quando as palavras já se calaram. Quando o sentido que viveu dentro de nós surge esbatido na miopia de um horizonte próximo. E a nossa vida é assim. A dar-nos conta das limitações que nos crescem nos dedos. Do emagrecimento dos nossos sonhos desenhados agora a marca d'água. E os nossos dias são assim. Tu, a fazeres o jantar enquanto contas o teu dia. Eu, a abraçar-te à noite para não arrefeceres.






6 Comments:
O texto revela, como sempre, um cuidado imenso no encontro das palavras entre si. Como se houvesse uma preocupação permanente de encontrar o par perfeito para realização do casamento ideal.Do conteúdo parece emanar um sentimento de desilusão (?), resignação (?) e desistência (?) das emoções. Há por aí alguma nuvem cinzenta?
rsrsrsrs
Caramba!... E não é que estou a ler, até sem óculos, a minha letrinha mais miudinha?
rsrsrsrs
Abraço!
aiiiiiiiiiiiiiii...que barulho!!!
3... logo três músicas a tocar ao mesmo tempo??? Bolas que a menina não faz por menos:)
um conselho...mude a opção no código embed
...depois volto para apreciar o seu blog que me parece bem simpático.
abraço
tão infinitamente verdade isso tudo, quando se perde, no todo ou em parte, "o" alguém.
Vou-me (quase) safando. Ainda não me habituei apesar do tempo que passou. No que toca ao resto assino e subscrevo.
Escusado será dizer que o texto (para variar) é excepcional.
Abraço.
FALHA
Fiquei um tempinho, como quase sempre, de boca aberta como uma parva...escrevo alguma coisa? a M. tem email, para eu suspirar em privado? esta M. já pensou em publicar, nao pensou?
Há qualquer coisa no que escreves que deixa me completamente esgotada e completamente asombrada, cheia, tranquila, irrequieta...tu és incrível.
Beijos, porque nao sei que posso te enviar em troca...
chave.
assino e subscrevo também a mensagem e perguntas de chavela.
reabraço
falha
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