Das fotografias...

Ana Maria Russo

Detesto álbuns de fotografias. Principalmente, se forem daqueles antigos com fotografias a preto e branco misturadas com as de cores e meticulosamente arrumados segundo a cronologia familiar. Detesto vidas assim espartilhadas em momentos imóveis a descoberto de qualquer olhar mais curioso. Mais impertinente. E abomino as fotografias que nascem apenas quando um olhar lhes toca ao de leve. A demorar-se nos pormenores. Nas pessoas. No que trazem no rosto. No que aparentam terem sido. No que vestem. No que os rodeia. Não tenho limites no ódio que lhes tenho quando delas sinto uma história a sair como se fosse um vapor tépido a entrar-me pelas narinas sem que o deseje. E dançam à minha volta como um aglomerado de aromas de contextos mortos. Detesto registos assim. Moradas de coisas que se foram perdendo na vida. Sorrisos irrepetíveis. Olhares confiantes que perderam o seu brilho. Felicidades genuínas. É nesse registo que o passado se movimenta de forma ritmada, cadenciada à volta das memórias que resistem ao esquecimento. E onde o futuro não tem esboço de um rosto possível. É execrável a ideia que me espartilhei. Que me perdi algures. Confesso, então, que não desejo ter memória do que fui. Nem das coisas que por mim passaram. É como se tivesse recolhido, integrado em mim tudo o que fui, sou e serei. É tudo uma única coisa: eu. Talvez por isso a medida dos outros não me baste. Porque é sempre insuficiente. Incompleta. Espartilhada. É talvez por isso que o amor me incomoda tanto. Um incómodo sem retorno. Pelo que faz às pessoas. Por aquilo que as altera. E porque o vivem, cada vez mais de modo espartilhado.