in memoriam
Geoffroy Demarquett
«Costumo cismar quem será a última pessoa a ver-me vivo. (...) Faço grande questão em ser visto. Às vezes, quando saio à rua, vou comprar um sumo mesmo sem ter sede. (...) Só não quero é morrer num dia sem ser vist0. (...) Depois de Mrs. Freid do quarto andar ter morrido, e de ter demorado três dias até que alguém a descobrisse, Bruno e eu adquirimos o hábito de nos vigiarmos um ao outro. »
Nicole Krauss
Lembrei-me desta citação, após ter tido conhecimento que uma amiga minha muito querida, dos meus tempos de faculdade, havia fechado os seus olhos há algum tempo. Senti primeiro aquela calma dormente de quem não acredita. E só depois, senti uma raiva imensa contra mim. Pela ilusão estúpida que acalentei de que havia tempo. Iludi-me com a ideia que existem assuntos mais importantes. Que existem coisas que dependem unicamente de nós para serem resolvidas e que o mundo pára se não o fizermos. Fui egoísta. Enchi-me dessa ilusão que parece mais importante do que uma pessoa que precisa de nós. Que precisa de se despedir... como era o seu caso. E fui tremendamente cobarde. Distanciei-me quando não o devia ter feito. E não me digam que faz parte da vida. Não faz. Não no caso dela. É uma afirmação demasiado oca e vazia para arrumar a sua pessoa, a sua vida na minha. Recordo o seu sorriso aberto quando me olhava e já sabia o que eu lhe queria dizer. Ela tinha aquele olhar. Aquele olhar que encontro em muito poucas pessoas. Um olhar que se enchia de tudo o que eu lhe dizia como forma de me pacificar nos momentos mais difíceis. Como se absorvesse parte do meu desconforto. Era uma torre imensa. Suportava tudo o que a vida lhe foi trazendo de menos bom mantendo sempre a calma. E até mesmo nesses momentos, nunca foi egoísta deixando de apoiar quem precisava. E nunca esquecerei o dia do seu casamento. Nessas ocasiões, costuma ser sempre a noiva a emocionar-se. Com ela, foi diferente. Foi ele quem se emocionou. E mais uma vez, era ela quem transmitia aquela calma radiante de quem sabe intimamente que rumo estava a ser tomado...
Não consigo apagar o seu número do meu telemóvel. Gosto de pensar que ela ainda ali está... a uma tecla de distância. Que um dia destes lhe vou ligar e ela vai atender com aquela voz de quem traz o sol na garganta... Gostava de pensar que agora já não sofre. Mas pelo que conheço dela sei que não é verdade. Sei que continua a sofrer. De outro modo. Sofre agora pelo filho de 4 anos que deixou.
Não consigo apagar o seu número do meu telemóvel. Gosto de pensar que ela ainda ali está... a uma tecla de distância. Que um dia destes lhe vou ligar e ela vai atender com aquela voz de quem traz o sol na garganta... Gostava de pensar que agora já não sofre. Mas pelo que conheço dela sei que não é verdade. Sei que continua a sofrer. De outro modo. Sofre agora pelo filho de 4 anos que deixou.







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