19.3.08

Do olhar ausente...


Geoffroy Demarquet


Está a ficar tarde e o frio vai aumentando. Vai percorrendo a rua esvaziando-a de gente. Estou sentada do lado de dentro do café e imagino-te aqui ao meu lado. Aqui, onde tantas vezes, ao conversar contigo, vou perdendo o meu olhar no horizonte verde que possuo em frente. E imagino-me a dizer-te, no meu silêncio, que estou cansada. Cansada de sentir em demasia o peso das coisas que não o têm. Das situações que ressoam em mim sentidos diferentes dos teus. Seria fácil... tão fácil rematar esta minha dormência dessa forma. Nesse silêncio que se mascara de uma breve ausência. Mas a verdade é que já não é cansaço. É uma sensação estranha. Pálida e etérea. Quase branca. Uma sensação que ganha contornos nítidos de quem já não está aqui. E dou comigo a desejar transformar-me por inteiro no meu olhar. A desejar deixar de ser corpo e ser sopro para calcorrear paisagens, momentos e rostos carentes de afecto. E eu seria tão mais feliz. O olhar deixa-me ir tão mais além. Há dias em que queria ser só olhos... fugir daqui e encher-me de imagens. De momentos fotográficos sem legendas para construir histórias e que guardaria num álbum imperecível ao tempo. E se alguma vez tivesse um corpo, usaria-o apenas para calcorrear as ruas no meio da multidão iluminada pelas luzes vindas das montras ao mesmo tempo que a penumbra se espalha como um nevoeiro. Desejaria tê-lo, para sentir o frio a queimar-me por fora a contrastar com o quente do café que conforta-me a alma emocionada de tanta vida que há para testemunhar nas mais pequenas coisas. E se tivesse uma profissão... gostaria de ser uma memória portátil de Paris. Não é dormência. É simplesmente porque já não estou cá. E não sei como dizer-te que, mesmo que a vida me corra bem, eu serei sempre um pouco menos feliz.

7 Comments:

Blogger oxalá said...

Parti de mim antes de o saber. Pequenas distrações irreparáveis.
Um dia acordamos só preocupados com o tempo que estará.

20/3/08 00:36  
Blogger rv said...

e no fundo todos somos um pouco assim enquanto nos enchemos do nosso "olhar"... q a primavera desperte então esse corpo q deve ser mais do que respirar,

:)

20/3/08 09:11  
Anonymous Anónimo said...

Mesmo gostando da escrita e respeitando o teu sentir, que tal tentar transformar essa forma de olhar a vida e passar, aos poucos, a dizer "... mesmo que a vida NÃO me corra bem, eu serei sempre um pouco MAIS feliz". Vai tentando... Acredita que vale a pena.

22/3/08 20:06  
Anonymous Anónimo said...

Um pouco mais feliz ou um pouco menos feliz, não é ser feliz e provavelmente esse alguém que escreve já foi realmente feliz, sem mais,nem menos.
Sei que a intenção é ajudar mas acreditem que é muito difícil.
Parabens à autora destas páginas pela coragem em descrever tão pormenorizadamente as pregas dessa "demência".
FALHA

24/3/08 20:50  
Blogger Helena said...

... suspiro ... silêncio ... e apesar de saber que talvez tenhas razão, vamos acreditar - sem mágoa - que talvez venha a ser possivel ser feliz na totalidade.

Beijinhos

25/3/08 13:30  
Anonymous Anónimo said...

fica mais um bocadinho com corpo quer que seja só para aceitar um abraço, pode ser?
mil beijos, linda...

26/3/08 14:09  
Blogger M. said...

Samartaime
Gostei muito... :)
um abraço

Rv
mas damos tão pouco tempo a esse 'encher'...
obrigada ;)

Énergie
Acredito que ainda me assiste um instinto psicológico de sobrevivência... que um diria fará essa afirmação.
E vale a pena sim. Eu sei. :)

Falha
Não sei se entendi tudo o que tentou dizer... mas agradeço o comentário. E obrigada.

Druiel
Vamos acreditar sim. Sem expectativas ou mágoas. Apenas com o realismo que compõe os nossos dias. E a vida tem tantas surpresas... ;)
mais beijinhos

Chavela
:)
Pode ser sim... Para mimos, eu sou sempre corpo presente. ;)
mil e um beijos e obrigada...

27/3/08 00:58  

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