Despedida com defeito...
Colocou a chave na fechadura, rodou-a e entrou em casa. Entrou. Olhou à volta e sentiu o silêncio como se fosse um manto que deslizava demoradamente pelo espaço. Fechou a porta e antes que a sua memória tivesse tempo de despertar, dirigiu-se ao quarto. Abriu o armário e retirou a mala castanha. Aquela que lhe era como uma segunda pele e que a acompanhava em todas as decisões que envolviam mudanças de espaço. Colocou-a em cima da cama. Esta ainda estava aberta e cheirava ao morno da pele de quem agora não estava ali. Como se tivesse deixado esse aroma de propósito para que tudo o que acontecesse na sua ausência decorresse em slow motion. Abriu e fechou gavetas, tirou roupas do armário como se fosse um daqueles rituais de chamar a tranquilidade quando esta mora do lado de fora da porta. Depois das roupas seguiram-se as fotografias... olhou para cada uma delas com cuidado demorado. Como se as quizesse guardar em algum canto da sua memória pouco dado às visitas. Deixou-as no mesmo sítio. Saiu do quarto com a mala e percorreu com lentidão o corredor que a levaria até à sala. Pegou em alguns livros... somente em alguns. Aqueles que lhe eram essenciais para a sobrevivência. Os outros... tinham ali o seu lugar. Era ali que deveriam ficar. Tinha aprendido com o tempo que os objectos também têm a sua vingança servida a frio. A de darem nome e corpo a uma ausência por vezes definitiva. A vida também lhe tinha oferecido momentos em que aprendera que as memórias devem morar nos sítios onde nasceram. Olhou em redor. Pela última vez. Como se beijasse cada objecto seu. Pegou novamente na mala e saiu da sala. Abriu a porta e saiu de casa. E ao fechar a porta, despediu-se de tudo o que não voltaria a ver. Sabia que existem despedidas que não se dizem nem se anunciam. Porque nasceram com defeito. O defeito indizível de não possuírem retorno.







4 Comments:
Beijos mts, saudades de recorrer ao tacto dos miopes!!!
E alguém disse «o que não me mata, deixa-me mais forte».
Beijos das 2.
Quando a música convida, assim, a alma (pelo menos a minha) à nostalgia... E as palavras que se leêm têm este tamanho magnífico de nos fazerem sentir minuscul@s... Deixo apenas um abraço...
Tzinha
Também tenho saudades!!!
Muitos, muitos beijos
G.
Sem dúvida que se fica mais forte.
Obrigada e mais beijos para as 2
Mc
Obrigada, ...mas as palavras têm apenas o tamanho que lhes damos. É apenas uma questão de perspectiva. ;o)
Outro abraço
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