11.7.06

A braços com...



Não me peças para dizer-te. Nem para escrever. E não te sentes aí nessa cadeira virada para mim a olhar-me debaixo desse candeeiro quando nem os teus olhos consigo ver por estarem protegidos pela sombra e nem sei se me olhas com um olhar de tarântula à espera da minha morte ou se com olhar de gato meigo e empertigado na sua pose distante de quem já tem o inventário de vida feito. Não me peças contas do que já fui, vivi ou deixei por fazer. Essa conta guardei-a para o dia em que pressentir que as minhas mãos, o meu rosto, os meus braços e o meu corpo caminham a passos largos para aquele frio que dizem ser irremediável. Não gosto de contas. Porque não quero reduzir assim a frio o tanto ou pouco que vivi a uma geometria de traços e curvas, de somas e subtracções de números lançados na brancura gélida de uma folha ou largados ali como dançarinos na arena mental da minha ausência lógica. Deixa-me. E não chames, com essa tua voz límpida de emoções ternas e duras, pelas palavras que daqui a pouco virão visitar-me a pedir que as escreva na folha desenhadas por uma mão trémula de tanta inquietude que suporta. Peço-te. Não as deixes entrar no reino deste meu silêncio medido a milímetro à custa dos barulhos e gritos dos teus sobrinhos que também são meus e que nem eu sei porquê se me odeiam tanto por estar no lugar daquele rapaz, com quem brincavam e iam à bola, com quem devias ter casado e com quem suspeito que te encontras à noite quando te deitas ao meu lado e estás distante na atenção que me dedicas. Não me exijas palavras ternas agora quando não desejo sequer que elas vejam a luz do dia que está tão radioso e elas tão enevoadas da tristeza que são e porque tenho os pés frios e quase congelados por culpa daquele ar condicionado que compraste a prestações meias com o dinheiro que eu tinha guardado para aquela viagem que nos levaria para longe do cão que parece ter pilhas, da gata que insiste em dormir em cima da minha almofada quando não estou e do canário que pensa que é mocho porque dorme de dia e tem os olhos demasiado abertos na escuridão da noite quando vou à cozinha e tento afogar as insónias que herdei daquela minha tia meia surda. Por isso, deixa-me. Deixa-me... porque estou a braços com as lágrimas multiplicadas e porque já nada tenho a perder. Deixa-me porque tenho de ir medir novamente este espaço para saber se perdi algum milímetro que a tua presença ocupou.

3 Comments:

Blogger M. said...

Suspect
olá! e obrigada! :o)

11/7/06 21:09  
Blogger lr said...

(sobre o post seguinte, que não tem comments)
eu acho que não sei. terei de pedir ao autor que me explique melhor?
bjs

12/7/06 06:09  
Blogger M. said...

LR
as minhas desculpas...
quem sabe?... mas mesmo assim penso que seria de todo conveniente 'o saber de experiência feito' que tanto falava o nosso Camões. ;o)
um abraço

12/7/06 10:54  

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