Do avesso...

Debe Hale - No One's Home
São poucas. Diria muito poucas as músicas, e contam-se pelos dedos de uma só mão, que têm o poder de me enternecer de um modo tão profundo e violento, que chegam a parar-me o tempo. A suspender emoções violentas que se encostam aos meus ouvidos num maldito segundo e que se demora até que eu acorde sobressaltada pela realidade à minha frente. E são essas músicas que ganham em mim preceitos de lições sobre coisas da vida. Que dão voz a sentimentos asfixiados e perdidos algures no caminho. Que vazam e despem casas inteiras para terem onde caber, quando já lá não mora ninguém. E sinto-as. Na pele morna que entretanto se arrepiou como acontece quando a àgua do mar nos acaricia por nele se mergulhar. Por isso, os meus dias são recusas inteiras de as ouvir. De lhes tocar sequer. E evito-as, como um vício superado e hesitante no desejo de se render a todo o momento. E guardo-as onde sei que as posso encontrar... nos momentos de maior vertigem onde não existe um depois que nos redima do que quer que se tenha passado. Evito-as como se acordassem em mim vontades acumuladas de viver o impossível ou sensações que já deixaram de o ser porque passaram a ter corpo de certezas de ter nascido num equívoco incómodo de lugar e tempo. Hoje, olhei-as naquela lentidão de uns olhos que se fecham para não assistir à sua própria queda. Senti-lhes a textura esquecida das melodias e sons como se fosse possível amá-las como se ama um corpo. E mergulhei no oceano imenso de emoções que uma delas me suscita. Queria gastar-lhe todo o sentido na repetição possível do enjoo. Ouvi-la como se ouve qualquer outra música onde o paladar auditivo não se prolonga nem entra sequer. E reconheço-lhe agora uma outra lição de vida: a do avesso. Aquela mesma que me ficou de tudo quanto passou por mim e tinha forma de pessoa. Que o amor como o vejo não é lá grande coisa e que é possível viver sem ele.
26/06/2006






4 Comments:
A música da música nem sempre é música.
E ainda há a curiosidade da data.
Abraço!
M.
nem sei o que te diga, porque aqui está tudo, tão somente tudo!
bjs
Ficaste do avesso, o enjoo veio naturalmente.
Mergulha e saboreia o arrepio.
Bjs
Não posso deixar de ler estas "sinuosidades" para mim fascinantes, obviamente, se calhar, porque lhes conheço as manhas. Mas não concordo com a última frase. Alguns dizem que o amor é cego, eu digo que não se vê e raramente vivemos com ele. E os parágrafos anteriores (estes e outros) dão-me razão. Creio.
Mas a escrita é assim: Suscita muitos equivocos que nos fazem sentir menos sós.
Falha
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