2.5.06

Da irritação


Confesso que possuo uma terrível mania: não ir ao cinema ver um filme que esteja nomeado para os Óscares e que, entretanto, já tenha ganho prémios e conquistado a maioria das pessoas. Não tenho explicação para este fenómeno psicológico. É como se eu entrasse numa outra dimensão onde a minha sensibilidade se tornasse imune ao mesmo tempo que se sente intimidada. E sem entender muito bem como, chegou-me às mãos o filme 'O Segredo de Brokeback Mountain'. A sensação que me ficou resume-se a uma só palavra: detestei. [E perdoem-me os aficionados do filme]. Não entendi o que a muitos parece e pareceu óbvio de tão indizível e deslumbrante que é. Assumo que não possuo maturidade... que parece ser a ferramenta que nos permite compreender estas coisas [e outras...] e ser tão cúmplice dos outros que compreendem o que não é possível traduzir por palavras. Não me interessa o contexto do filme. Interessa-me, sim, a escolha feita. O filme despertou-me, para uma série de quezílias interiores que teimavam em viver no silêncio... talvez tenha sido o momento inapropriado para o ver... ou talvez não. Irrita-me que se possa e aceite viver assim [independentemente de ser um filme]... que não se seja coerente com a necessidade de se ser feliz quando esta se sente nas entranhas... que se perca tempo quando não se sabe o tamanho que este tem nem as voltas que dá... as paixões que tudo viram do avesso e não dão em nada para partirem a seguir sem destino e sem aviso... Irrita-me a facilidade com que se gosta e desgosta... que se calem sentimentos e asfixiem atenções de tão distraídos que estão pela rotina dos dias... que não se diferenciem os grandes dos pequenos amores... que não se ame para sempre... que existam momentos em que tudo se perde de forma irredutível... que existam vidas interrompidas, amores impossíveis e dores sem cicatrizes... Irrita-me não poder dar duas vidas a cada pessoa para reajustarem o momento em que tudo teria sido diferente...
O Amor, por vezes, tem dias em que me irrita... e apetece-me bater com o pé como fazem as crianças e dizer de forma indignada o que Ennis diz no final: 'Foi muito estranho.' Nenhum amor é estranho. Estranho... é mesmo o tipo de marca que deixam... um impasse sem continuidade, uma sensação inquieta do fim quando tudo obriga a recomeçar...
Conclusão: a irritação irrita-me também... Traduzindo: hoje tudo me irrita. Vale o facto de não ser contagioso e durar apenas 24 horas. Amanhã voltarei ao normal.

11 Comments:

Blogger poca said...

antes não te entendesse!

2/5/06 14:33  
Anonymous Anónimo said...

Tens ali ao lado, outra vez, uma senhora a olhar p'ra mim ... (chocolate a olhar de lado ...) ... e está com um olhar estranho ...

2/5/06 17:17  
Blogger M. said...

Boo
eu diria que a repetição até correu bem pois assim ganhei 3 beijocas (com o devido respeito, é claro!)... :o)
fica bem... e obrigada !
beijos

Poca
assim, palavras para quê? é deixar que isto passe, não é ?
um abraço

Menina Choco
tenho vindo a constatar que a menina é um nadita contra os 'voyeurs'... será ? ;o)
beijos, muitos, muitos

P.S: e deixe alguns beijinhos para a menina Lemon !

2/5/06 20:04  
Blogger SalsolaKali said...

Tu tinhas dito que não ias ver… :)

Eu acho que o filme, enquanto filme vale pela fotografia e pela questão de fundo da história. Toca uma série de aspectos que ainda hoje são bem reais, nomeadamente a questão do preconceito, do medo, do ódio, etc, etc, etc, embora a história seja triste. Tanto podia ser como não, mas é, de facto! E estranha. Também. Mas tb na literatura a grande maioria das histórias que envolvam relações homossexuais acaba mal. São histórias tristes e quanto à realidade… ui! A realidade… ela é tão lata e tão diferente do que acreditamos que temo ter de acreditar tb nesta história, e acredito, embora como diz a Boo (que eu hoje ando meio a concordar com ela) temos de olhar ao universo temporal e geográfico onde esta acontece.
Assim foi a exploração dos sentimentos, da emoção, da intimidade e natureza interior de duas pessoas que se amam, e o medo, face à expectativa da reacção colectiva que mais valorizei.
Mas houve uma coisa que me irritou, confesso, e me fez confusão. A violência entre os dois nos momentos de intimidade. Não entendi, mas pronto, quem sou eu para julgar.
Quanto à maturidade, acho que é melhor não crescer demasiado, e à irritação… respira fundo e, uns exercícios de Tai Chi Chuam iam bem… ;)
BJ SK

2/5/06 20:52  
Anonymous Anónimo said...

um filme é só um filme...
a realidade é só a realidade.
o que imita o quê?
(...)
entre as palavras de outros e as tuas (permissão para a intimidade), quase a perfeição a cada post.
Ob

Lu

3/5/06 00:17  
Blogger M. said...

Salso
Depois de ler o teu post... a vontade era mesmo a de não ver. Mas também tenho uma pontinha de curiosidade.
Não desvalorizo, de forma alguma, o filme e reconheço os aspectos que fizeram dele um filme premiado. Mas senti que as dimensões contextuais que falaste, e que ainda existem hoje de outra forma, reduzem a importância da escolha e da luta individual que fazemos acerca do amor. E foi isso que mais me marcou... daquela forma manifestamente irritada.
Boa dica... já agora, salientemos também o 'poder curativo' da jardinagem, dos origamis, das idas à praia. :o)
Tudo volta ao seu lugar.
um abraço

Lu
quando escrevi o post, tentei fugir a essa questão por ser tão passível de interpretações subjectivas (tal como o que senti acerca do filme, mas isso agora não interessa nada).Entendo que a vida, por vezes, já nos é tão pesada que dificilmente compreendo a sua imitação nos filmes. Mas o cinema em si é tanta coisa que cabe lá tudo... desde o contar e partilhar histórias, passando pela exploração de sentimentos, conceitos e possibilidades até à divagação reflexiva dos olhares que vêem e falam por imagens o que nem sempre nós (espectadores) vemos.
Talvez o cinema seja mais rico que a vida... ou a vida mais rica que o cinema... diria que é uma discussáo infindável. Por isso mesmo, de uma abertura desafiante em termos de sentido.
E Lu
obrigada eu... :o)
um abraço

3/5/06 10:11  
Anonymous Anónimo said...

Obrigada pela atenção e palavras.Condensar tanto em tão pouco, não o sei.
E agora importa não me viciar em "comments", conter-me-ei.
Lu

3/5/06 18:56  
Blogger lr said...

Também não achei o filme o que dele diziam... Concordo absolutamente com essa irritação com pessoas e situações que simplemente aceitam que não podem ser felizes, que desmentem o que sentem, ou que se conformam com a tibieza... Mas, que se há-de fazer?!
bj

3/5/06 21:12  
Blogger escola de lavores said...

Bem, eu adorei o filme. E talvez nem consiga explicar com palavras porque razão gostei tanto... não sei se é o filme que imita a realidade ou o contrário. Mas a verdade é que a vida é assim mesmo: cheia de momentos intensos e de medos constantes.
Gostei da fotografia, gostei da interpretação dos actores e da violência daquele amor,de todo o drama... também acho que cada um de nós deve lutar pela sua felicidade. No filme, a felicidade era vivida aos bocadinhos. Para mim foi uma bonita história de amor.
Gosto deste blog.

5/5/06 22:52  
Blogger M. said...

Lu
:o)
um abraço

LR
esperar que lhes passe ?...
um abraço :o)

Ana
Confesso que se fosse noutra altura ter-me-ia sentido pequena... e talvez esmagada como se fosse preferível o sentir intensamente, ainda que breve ou aos bocadinhos como dizes, ao facto de não sentir de todo.
Hoje, sinto apenas que estou diferente... e que tenho de ser coerente comigo mesma.
Obrigada. :o)

6/5/06 00:25  
Anonymous Anónimo said...

Bem, eu do filme em si não falo (simplesmente pq ñ é isso que desejo fazer agora).

Mas o teu post fez-me recordar uma frase de que gosto muito e me ajuda por vezes:

"E ao presente vou brindar,
Festejar todas as Vidas que nunca se irão cruzar..."

Porque este não é afinal, o cerne de tudo? Tu escolhes a estrada da tua vida, e esta contém em si todas as outras... ;)

Bj

6/5/06 02:45  

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