4.3.06

Para além das nuvens...


Edward Dimsdale - Single Lily, Spring, 2002



Hoje lembrei-me dos meus tempos de estudante quase-crescida... em que nos meus tempos de silêncio ia descobrindo ruas infindáveis, edíficios tímidos de tão pouco serem contemplados, lugares com poesia e os miradouros com história de Lisboa... e era neles que me demorava a aprender a conviver comigo. E o que mais me lembro é das inúmeras vezes que fui ao cinema sózinha ver aqueles filmes que só passavam no Nimas, no Mundial ou no King. Como se fosse um ritual lento, doce no seu encanto e que me preparasse para o fascínio das imagens, das histórias e personagens que existiriam algures ao mesmo tempo que eu ia vivendo a minha vida... tal como a imagem final do filme Par Delá Des Nuages do M. Antonioni. E quando saía do cinema, não me permitia sequer apanhar os transportes públicos que me conduziriam a casa. Encontrava-me, enquanto caminhava e caminhava num espaço fora de mim, num outro tempo. Ia carregando todas as emoções... e ia revendo cada imagem, cada frase... e ia sucumbindo aos poucos como uma derrota doce ao fim arrebatador de algum filme em particular. Sentia-me pequena, diminuída no tamanho perante a grandeza e a intensidade das emoções. E aprendi, nessa altura, que falar daquilo que nos toca e arrebata de forma especial... diminui a sua intensidade e a sua memória em nós. E os bilhetes de cinema ou postais que ia guardando eram apenas a chave que me abriam esse sotão onde guardava todas essas emoções.
Porque vos conto isto...talvez porque hoje, acordei grande no tamanho... diminuída nas emoções perante a grandeza do tanto que há para acontecer na vida. Porque talvez seja assim que se deve viver. Talvez porque hoje a minha escrita deixou de ter cor e lugar neste espaço. Continuarei por aqui... mas sem a minha voz.

3 Comments:

Blogger JFC said...

Lindo!

4/3/06 19:57  
Blogger lr said...

Este post faz-me recordar momentos semelhantes que vivi pelos mesmos lugares. O meu filme 'de coração' é de Michelangelo Antonioni(Identificazione di una donna). Continuo a caminhar depois alguns filmes e dá-me prazer faze-lo sozinha.Mais importante é dizer-te que tenho muita pena que a tua "escrita tenha deixado de ter cor e lugar neste espaço"... signifique isso o que for, porque gosto muito do que escreves e expões; há certamente poesia bastante para comunicar.

5/3/06 13:23  
Anonymous Anónimo said...

Mais uma vez, ao ler o que escreve, me lembro do Milan Kundera, sempre perante uma dualidade ... Este blog é absolutamente precioso, pela partilha do seu crescente sentir, gostaria que durasse a minha vida inteira, é uma espécie de abrir um livro ao acaso e ler uma página com sentido. Fico muito feliz por estar menos engrandecida na intensidade das emoções :)
O filme que fala...que escreveu... é um dos meus favoritos de sempre. Desde o 1º segundo, até ao último. É um filme magnificamente silencioso.

6/3/06 00:05  

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