5.3.06

Da mágoa de te saber a não escrever...

Vergílio Ferreira

PT: E como é esse período entre o fim de uma obra e o sentir-se cheio outra vez?
VF: Até me sentir cheio outra vez há um certo mal-estar, uma sensação de não se saber o que se está a fazer, porque escrever é um modo de estar na vida. E se é um modo de estar na vida e eu não tenho o que escrever, não estou na vida, estou numa semivida ou semimorte. (...)
PT: Estamos a chegar à conclusão que escrever é sentir ?
VF: Sim, fundamentalmente é isso. Mas se eu quisesse explicar como é, não sei. E penso que ninguém sabe. Tínhamos que ter a capacidade de nos desdobrarmos na pessoa que está a escrever, e noutra, que estaria de fora a ver como é que se faz. Escrever é um instinto vigiado. Instinto porque nos fala à parte mais forte de nós, que é a parte sensível. Vigiado porque tem que ter um controlo. Toda a obra de arte tem os seus limites. (...)
PT: Nos seus livros tenho a sensação de que encara o tempo como um inimigo porque o tempo não pára e há momentos em que se desejaria que parasse...
... O pior do tempo é haver morte. A morte dá-nos o tempo como avanço para ela. O tempo é a afirmação da nossa mortalidade. Temos um fim, e cada dia estamos a viver como menos um dia para o limite a que chegaremos. E depois há outra coisa muito importante, e que eu sinto muitas vezes quando estou a escrever: a conversão do tempo em eternidade. Há certos instantes em que o tempo se suspende. E ficamos em êxtase. São esses os momentos deslumbrantes que mais me tocam. Mas também se vivêssemos sempre com essa intensidade do momento eterno, morríamos cedo. "
Uma entrevista de Patrícia Tavares para a Revista do Semanário... infelizmente não sei precisar o ano.


P.S: Outra entrevista a V.Ferreira pode ser lida aqui.

6 Comments:

Blogger poca said...

escrever é esvaziar a alma... é transpirar... é...

5/3/06 22:45  
Blogger M. said...

Sul...
Em dois pontos concordamos: é um 'monstro das letras' mas infelizmente dos mais mal amados neste país. E segundo, não se fazia... mas a urgência de o lembrar era maior em mim.

5/3/06 23:22  
Blogger M. said...

Poca...
esse é... com tudo o que ele possa conter faz-me lembrar o 'é' petrificador e suspenso de Parménides quando dizia: o Ser é...

5/3/06 23:24  
Anonymous Anónimo said...

Era muito bom morrer cedo, muito bom mesmo!!

6/3/06 00:09  
Blogger M. said...

Raramente respondo a anónimos. Entendo que o que se afirma é sempre a marca de alguém que expressa a sua forma de pensar. Seja com nome verdadeiro ou fictício. Mas não pude deixar de responder neste momento porque estou em desacordo absoluto com o que afirma. A vida é demasiado preciosa, com tudo aquilo que contem, para se desejar que o tempo que dispomos, que já é breve, se torne ainda mais breve.

6/3/06 10:45  
Anonymous Anónimo said...

Ler V. Ferreira é como o cheiro da terra depois da chuva num dia de verão...

6/3/06 22:15  

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