Gotas de chuva...

Miguel Lopes - Chuva

Olho pela janela e vejo lá fora a chuva a cair. E cai com uma firmeza segura... e morna. Com uma certeza que me cativa... como se soubesse algo que eu não sei... E no meu íntimo sinto uma vontade imensa de enlouquecer... Descalço-me. Olho para os meus pés e ainda me interrogo se valerá a pena. Fecho os olhos... respiro fundo e deixo-me... seguir o que sinto. Abro a porta e desço as escadas até ao jardim... e finalmente sinto as primeiras gotas de chuva... sinto-as rolar pelo meu rosto... e pelo meu corpo como carícias esquecidas no tempo. Respiro fundo... e desço o último degrau. Finalmente e sem hesitar, coloco os pés na relva. Agora sim... Agora estou pronta para me deixar molhar totalmente. Sinto a macieza húmida da relva debaixo dos meus pés. E sinto-me segura. Sinto-me bem. Abro os braços e olho para o céu. Fecho os olhos e começo a rir... sim, é isto que eu quero. Quero que a chuva me limpe... me lave... me tire tudo o que faz parte do passado e que tanto me pesa. Quero soltar-me da crença desmesurada de que tudo vale a pena... porque não vale... da ideia de que o amor só existe quando se segue o coração... e de que é suposto ter mais dor que amor. Quero largar os meus sonhos de menina... porquei deixei de o ser. Quero caminhar... para onde tiver que ir para que a minha vida se cumpra. Quero fechar esta porta... que teima em não fechar-se e não sei já porquê. Quero voltar a sorrir como a minha alma o faz... quero voltar a viver... e ser o que um dia... há muito tempo... alguém foi para mim.

E não posso esquecer-me que este chão por onde caminho é meu... que o sinto... e que ninguém, algum dia, deverá ser o chão que piso... Agora sim. Agora estou pronta para seguir o horizonte...