O meu olhar...

Manuel Moura Galrinho - Exposição

Queria que soubesses... no momento em que me visses e que lesses no meu olhar que já não habitas mais em mim. E que sentisses que ao invés de fechar a porta do teu quarto em mim... a tinha aberto. E que ao olhar para o seu interior, eu havia descoberto que nele apenas moravam os meus sonhos... e jazia um leve manto de pó. E onde já nada restava do que é teu. Queria que soubesses que no dia em que lá entrei, fechei os meus olhos... e finalmente compreendi que consegui sobreviver ao teu fantasma. Entendi que a minha taça ao transbordar esvaziou... senti que no retorno de cada manhã o meu coração já não se enchia durante a noite. Compreendi... tão cá dentro... que já não era a tua ausência que me angustiava... nem sequer a saudade de cada pormenor teu. O que me magoava foi a leveza com que cuidaste do que era meu... o jeito demasiado suave com que saíste do meu mundo... Foi não ter entendido que justamente por ter sido tão suave... não merecia o longo tempo em que te chorei...

Deixa-me contar-te como foi que nesse dia eu abri a janela... e aprendi a respirar de novo, como foi que enchi o meu peito de ar... e sem esperar... nasceu em mim um sorriso tranquilo. Aquele sorriso que vem do íntimo como uma verdade que se desvela perante o nosso olhar ... e que permanece sempre incomunicável. Deixa-me dizer-te como foi que descobri em mim uma felicidade simples. E talvez pela primeira vez... desde há muito... o meu olhar transporta agora uma paz que é minha. Como se já não necessitasse de olhar para o mar para me acalmar... porque agora é ele que vive em mim. Agora, os meus passos... quando os dou têm um som diferente.... porque é o som dos meus medos reduzidos a cinza... das lágrimas secas que se tranformaram em cristal... da luz que atravessa todo o espaço que existe em mim. Finalmente... deixei-te livre. Mas sei que voltarás... mas não serás mais do que uma memória esbatida... que ficou amarelada pelo tempo.