A estrada...

Cais - Miguel Lucena - 2005

Não me deixavas dizer-te... como o teu rosto se transformava quando conduzias em autoestrada. Lembro-me da primeira vez que te disse... riste-te e disseste que estava a fantasiar. E assim... deixei de te dizer e passei a guardar só para mim a imagem tranquila do teu rosto... sereno e ausente. E por detrás das lentes escuras, os meus olhos fingiam perder-se nas paisagens que desenhavam o horizonte do teu lado esquerdo... e tu... nem tens ideia do quão eras bonita. Da beleza do teu rosto quando te perdias nos teus pensamentos... E eu... parecia que adivinhava quando a largura da estrada e a ausência de um destino próximo te envolviam, te convidavam a perderes-te no espaço. Parecia que cada viagem era como uma desculpa que tinhas para estar contigo própria. O teu olhar fixo no horizonte... a pouca velocidade... a imensidão da estrada... as poucas ou nenhumas razões para parar... a música da Diana Krall... tudo te permitia sentir a fluidez do espaço e do tempo. Gostavas particularmente de sentir o vento a entrar pelas janelas... revolvendo todo o teu cabelo dando-te uma sensação efémera e fugaz de liberdade... e que seria, talvez, das poucas coisas que aceitavas que fugisse do teu controlo... como se fosse uma derrota suave a que docemente te submetias. Os teus pensamentos perdiam-se algures por entre as cores da paisagem, os sons e as palavras que fluíam de uma forma descontraída. Tu sorrias... e sem te dares conta... eras feliz de uma forma como nunca voltarás a ser... simplesmente porque não voltarás a encontrar esta paz...