Meu amor...

E. Hopper - Room in Brooklyn - 1932
Meu amor... não venhas ainda. Deixa-me descansar um pouco enquanto olho o mar e penso na nossa vida. Sinto-me cansada. O meu corpo já não responde com tanta ligeireza como fazia. Mas sinto-me feliz. Lembro-me de te sentares aqui ao meu lado neste banco, pela primeira vez, há vinte anos atrás... Lembras-te como eramos jovens... ansiosas... apaixonadas... tínhamos a força do mar dentro de nós. Tínhamos tantos planos. Tantos sonhos. A vida permitiu-nos alguns. Os outros foram ficando pelo caminho. Mas o meu pequeno milagre era a tua presença... Lembro-me do modo como falavas dos nossos sonhos... e sem te dares conta, toda tu vibravas e conseguias transformá-los em energia e numa alegria imensa que nos envolvia. E eu ficava a contemplar-te.
Penso que nunca te disse... não com esta certeza que a idade me deu... e que me pacifica... mas eu fui uma mulher de sorte. Partilhámos dias e noites, gargalhadas e lágrimas... tudo o que tínhamos e até aquilo que não sabíamos que existia em nós... até ao dia em que tiveste que ir.
Meu anjo... deixa-me descansar só mais um pouco. Deixa-me arrumar ideias. Pensar no que ainda tenho de fazer... porque não quero dar trabalho quando for e porque não quero que mexam nas nossas coisas... aquelas que construiram a nossa história. Acho que as vou colocar num caixote e pedir à tua sobrinha preferida que as guarde...
Tivémos uma vida boa. Bonita. E imagino-te a sorrir agora, a desviar o olhar do meu rosto e a fixá-lo no horizonte... tinhas esse jeito meigo de reagir quando as emoções te entupiam a voz. E sinto-te ao meu lado. Vieste cumprir a tua promessa. Ainda me lembro. Foi numa daquelas noites em que o tempo era maior e que ficou suspenso em nós. Lembras-te de me teres dito que se uma de nós morresse gostarias de ser tu a primeira... para me vires buscar depois quando chegasse a minha hora. Pensavas que eu suportaria melhor a tua ausência. Deixa-me contar-te como foram difíceis estes anos em que não estavas. Deixa-me dizer-te como foi que o meu corpo envelheceu... antes que eu fique nervosa por voltar a estar contigo.
Dá-me só mais um minuto... deixa-me guardar o mar na minha memória... para te oferecer quando voltar a estar contigo...
... Meu amor, foi longa a demora ? ...






12 Comments:
Eu por cá já proibí a "Mente" de morrer antes de mim, que se não a ouço respirar esqueço-me de como é inspirar!... a ideia de lhe sentir a presença só por si arrepia-me...
Como me arrepia sempre esta magia que fazes com as palavras!
ó moça, o que tu fazes às palavras...
um bjo nessa testa, m.!
Assumida :o)
a magia está em quem lê e não em quem escreve... um beijo
Prima
não queres tu também fazer uma magia e dar um salto até cá ;o)
um abraço do tamanho do mundo
Obrigado Boo :o)
Olá M.,
Duas coisas notáveis, primeiro o quadro e depois o texto!
Volto mais tarde ...
muito bom!
tatil
a maria ali em cima sou eu...
coragem essa a sua, de se dispôr a voltar a uma encruzilhada passada...
lindamente escrita - melhor, amorosamente escrita.
muito obrigado miss Tangas... :o)
gostei do texto, ama-se para toda a vida,é essa a ideia, não?
M.(trato-a assim,porque vejo que todos(as)se dirigem a si dessa forma...Não querendo,contudo,ser abusiva.),
Na verdade, enquanto lia o post, pensei cá para os meus botões: será que vai ser assim?
Por vezes dou por mim longe a pensar qual será o desfecho;o que poderá acontecer quando uma das linhas se interromper...E ao lê-la reparei que esta é uma das boas hipótess possiveis.
Tenho de lhe agradecer por conseguir objectivar,em palavras,o que vai no pensamento de muitos(as) nós.
Out...
Bemvinda... e não tenha receio porque não está a ser abusiva. E sim, também gosto de pensar que este poderá ser um dos desfechos possíveis... mas até lá devemos viver intensamente o que se tem. E não me agradeça... eu é que devo agradecer a sua visita. Apareça sempre.
M.
Enviar um comentário
<< Home